16.11.11

Movimentos brasileiros contra o apartheid de Israel

Frente em Defesa do Povo Palestino-SP*

Nestes dias, em várias partes do mundo, têm sido realizadas iniciativas contra o apartheid na Palestina. As atividades integram a Semana Global contra o Muro, que vai até 16 de novembro. Capitaneada pela ONG Stop the Wall, que promove em três locais na Cisjordânia manifestações no período, esta teve início não por acaso no dia 9. A data marca a queda do muro do Berlim, ocorrida em 1989. Vale destacar que enquanto aquele tinha três metros de altura e 155km de extensão, a barreira na Cisjordânia, território ocupado ilegalmente por Israel, chega respectivamente a nove metros e terá, quando concluída, 770km de comprimento.

A construção foi iniciada em 2002 e, apesar de condenada dois anos depois pela Corte Internacional de Justiça de Haia, não foi interrompida. Tal, como lembrou o historiador André Gattaz em artigo de sua autoria intitulado “Ilusões sobre o processo de paz na Palestina”, trata-se na verdade de “um complexo de fortificações composto por muros, cercas, fossos, barreiras, portões de controle, torres de segurança e equipamentos de vigilância eletrônica, orçado em mais de um milhão de dólares o quilômetro”. Ainda conforme o especialista, “embora o governo israelense denomine-o ‘cerca de segurança’, vem sendo conhecido no restante do mundo como ‘muro da vergonha’ ou ainda ‘muro do apartheid’, numa triste recordação dos tempos do apartheid que separava negros e brancos na África do Sul 9(...)”. Não à toa: juntamente com os postos de controle, estradas exclusivas, assentamentos e outros aparatos da ocupação israelense, além de anexar terras, separa famílias e restringe ainda mais o acesso a direitos fundamentais aos palestinos, tais como a ir e vir, à educação, à saúde, ao trabalho.

Contra isso, ativistas em dezoito países encamparam a ideia da Semana Global, nos diversos continentes. No Brasil, um debate intitulado “O muro do apartheid e a resistência palestina”, promovido no dia 8 último pela Frente em Defesa do Povo Palestino de São Paulo e Apropuc (Associação dos Professores da PUC), nessa universidade na Capital paulista, integrou a iniciativa.


Destaque ao BDS

Além de contextualização histórica pela jornalista brasileira que reside na Cisjordânia e de relato do líder palestino Abdallah Abu Rahmah sobre a resistência contra o muro na pequena aldeia de Bil´in, a oportunidade serviu para se refletir sobre estratégias para fazer frente ao apartheid de Israel a partir do Brasil.

Aqui, atendendo a chamado da sociedade civil palestina que vem sendo feito desde 2005, a Frente em Defesa do Povo Palestino e a Frente Palestina da USP (Universidade de São Paulo) lançaram no dia 20 de setembro último a campanha brasileira por BDS (boicotes, desinvestimento e sanções). Esta conta com o aval de várias organizações da sociedade civil brasileira, tais como comitês de solidariedade e sociedades árabes-palestinas em diversos estados brasileiros, Marcha Mundial de Mulheres, Movimento Mulheres em Luta, MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), CUT (Central Única dos Trabalhadores), CSP-Conlutas (Central Sindical e Popular), PSOL-SP (Partido Socialismo e Liberdade, mandato do deputado federal Ivan Valente), PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado), PCB (Partido Comunista Brasileiro), Revolutas, Mopat (Movimento Palestina para Tod@s), UNI (União Nacional das Entidades Islâmicas), Assisp (Associação Islâmica de São Paulo), Liga da Juventude Islâmica do Brasil e Anel (Assembleia Nacional dos Estudantes Livre).

Neste ano, o pleito central da campanha global é que nos diversos países se priorize o embargo militar integral a Israel, até que se cumpram as reivindicações fundamentais dos palestinos, a saber: o fim imediato da ocupação militar e colonização de terras árabes, e a derrubada do muro do apartheid, que vem sendo construído na Cisjordânia desde 2002, dividindo terras, famílias e impedindo os palestinos do direito elementar de ir e vir; o reconhecimento dos direitos dos cidadãos palestinos à autodeterminação, à soberania e à igualdade; o respeito, proteção e promoção do direito de retorno dos refugiados palestinos às suas terras e propriedades, das quais vêm sendo expulsos desde 1948, quando foi criado unilateralmente o Estado de Israel, até os dias atuais.

Principal campanha internacional de solidariedade ao povo palestino e contra qualquer forma de discriminação naquelas terras, a campanha do BDS redundou em conquistas importantes em diversas outras partes do mundo, como o rompimento de contratos milionários com empresas que atuam na construção do muro, de assentamentos ilegais ou de outros aparatos que sustentam a segregação na Palestina.


No País

Apesar de esse movimento vir se expandindo em todo o globo, no Brasil algumas ações vão na contramão dessa corrente, como a adesão do País ao TLC (Tratado de Livre Comércio) Mercosul-Israel e negociações comerciais bilaterais com a potência ocupante, incluindo a assinatura de acordos militares e de tecnologia bélica. Amplo estudo promovido pela Stop the Wall denuncia que o TLC inclui a venda em território brasileiro de produtos e serviços feitos em assentamentos israelenses ilegais na Cisjordânia, bem como de tecnologias de defesa e segurança, as quais têm sido usadas nos ataques contra os palestinos.

Ainda na contracorrente, a cidade de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, passou a abrigar instalações da empresa israelense Elbit Systems, que atua na área de tecnologia militar e é especialista em construção de veículos não tripulados, os quais foram amplamente usados nos ataques aos palestinos de Gaza em final de 2008 e início de 2009. Uma das 12 companhias envolvidas na construção do muro do apartheid, a Elbit já assinou contratos no Brasil, como com a Embraer (Empresa Brasileira de Aeronáutica) e as Forças Armadas. Ademais, a Taurus, instalada também em Porto Alegre, passou a montar o rifle israelense Tavor. Além disso, conceituadas universidades têm firmado acordos de cooperação e intercâmbio com instituições israelenses, sobretudo nos últimos anos. Entre elas, a USP, que fechou nos últimos quatro anos 15 convênios do gênero em diversas áreas. Um deles inclusive com universidade situada num dos maiores assentamentos ilegais na Cisjordânia.

A organização Stop the Wall alertou, em relatório, que essas iniciativas garantem que as guerras, ocupação e colonização israelenses continuem a gerar lucros. E enfatizou: “Esses laços militares põem em questão o compromisso do governo brasileiro em apoiar os direitos humanos, a paz e a criação de um Estado palestino e parecem contradizer as atuais alianças brasileiras e interesses na região. É preocupante que o Brasil entregue o dinheiro dos impostos dos seus cidadãos às empresas de armamento israelenses. O Brasil não pode conciliar a cumplicidade com as graves violações da lei internacional por parte de Israel e as aspirações a potência mundial emergente, defensora do respeito à lei internacional e aos direitos humanos.”

Perante esse cenário, a campanha nacional reivindica que o governo brasileiro e suas instituições, bem como empresas públicas e privadas nacionais e/ou instaladas neste País, imponham embargo militar e econômico a Israel, através do rompimento de acordos, contratos e suspensão na aquisição de produtos e serviços, os quais financiam cotidianamente a violação dos direitos humanos do povo palestino e a ocupação de suas terras. Para tanto, a ideia é intensificar as iniciativas em prol do BDS no Brasil.

Além de pressionar o Executivo Federal para que promova sanções e desinvestimentos, outra frente de atuação recomendada, nesse sentido, é por boicotes cultural, acadêmico e a produtos e serviços que financiam a ocupação israelense. No Brasil, a proposta central aos consumidores é que boicotem a Café Três Corações.

Principal indústria do produto no mercado mineiro, tal está nas mãos da empresa israelense Strauss-Elite. Com 18 fábricas espalhadas pelo mundo, sendo nove delas em Israel, essa companhia, segundo denunciado na internet, tem apoiado a colonização e opressão do povo palestino. Em seu site em hebraico, constaria o suporte explícito às forças de ocupação israelenses, inclusive com a cessão de equipamentos de lazer aos militares. Brigadas envolvidas nos ataques à faixa de Gaza em 2008-2009, que resultaram na morte de 1.400 palestinos, incluindo 350 crianças, têm contado com o apoio da Strauss-Levi. Portanto, comprar o Café Três Corações e marcas adquiridas por essa indústria, tais como Fino Grão e Santa Clara, é dar lucro para grupo que investe na matança de palestinos. Na Europa, o boicote a produtos e empresas da Strauss-Elite já pegou. Aqui, o grupo é o vice-líder do segmento, atrás apenas da estadunidense Sara Lee, que também tem investido pesado nesse mercado. O Brasil, que já foi considerado o país do café, está sendo alvo de Israel e dos Estados Unidos.

Como lembra Gattaz no mesmo artigo, o País, como signatário da Convenção de Genebra, se não por razões humanitárias, em cumprimento à lei internacional não pode se calar diante da opressão e da injustiça. Todavia, enquanto a sociedade civil organizada se manifesta, é o que autoridades, algumas empresas e universidades vêm fazendo, ao negociar com Israel. Em entrevista ao Le Monde Diplomatique, em maio de 2008, o ativista palestino Mustafá Barghouti destacou que mais terrível do que a situação a que são submetidos os palestinos diariamente é o silêncio internacional. “Chegamos a pensar que o mundo não quer tomar conhecimento de nossa tragédia. Que fechou olhos, boca e orelhas. A desgraça palestina está órfã.” A Semana Global contra o Muro do Apartheid é mais uma oportunidade para que se exija do governo brasileiro e dessas instituições que façam diferente.

* Formada quando dos ataques israelenses a Gaza em 2008/2009, a Frente em Defesa do Povo Palestino-SP reúne dezenas de organizações da sociedade civil brasileira.

3.11.11

Não colabore com o apartheid

Um chamado da sociedade civil palestina às universidades, acadêmicos, estudantes e pessoas de consciência da Europa

O Estado de Israel executa um sistema de ocupação, colonialismo e apartheid sobre o povo palestino, mas ele não faz isso sem apoio. As companhias militares israelenses são os principais facilitadores das graves e persistentes violações de Israel à lei internacional. Elas suprem as armas e a tecnologia que permitem Israel cometer atrocidades e violações diárias aos direitos humanos, participando diretamente da construção do Muro do Apartheid, declarado ilegal pela Corte Internacional de Justiça em 9 de Julho de 2004 [1].
As universidades de Israel e seus institutos de pesquisa estão profundamente envolvidos no desenvolvimento de armas e pesquisas militares que os colocam no coração do planejamento e implementação dos crimes de guerra de Israel[2].
Os acadêmicos, estudantes e organizações da sociedade civil palestina, portanto, deploram a colaboração em pesquisa extensiva que se realiza entre as universidades europeias e as companhias militares, universidades e institutos de pesquisa de Israel, cúmplices das violações de Israel às leis internacionais e direitos humanos. Nós pedimos um fim imediato a todas as colaborações de pesquisa com companhias militares de Israel e todas as instituições de pesquisa de Israel envolvidas nas violações da lei internacional e direitos humanos.
O Acordo de Associação UE-Israel é particularmente preocupante. O Sétimo Programa de Enquadramento (FP7) é um programa de bilhões de euros do esquema de subvenção à pesquisa da União Europeia que provê fundos para universidades e companhias de diversos países para trabalhar em conjunto em projetos específicos. Como resultado desse Acordo, e apesar das contínuas violações de Israel à cláusula de direitos humanos desse Acordo, as companhias militares e institutos de pesquisa de Israel têm acesso assegurado ao FP7 em mesmo nível que os estados membros da UE [3].
Companhias militares israelenses, como a Elbit Systems e a Indústria Aeroespacial, ambas contribuindo para a contínua construção do Muro do Apartheid e suprindo aviões não tripulados que foram empregados por Israel para matar civis durante a Operação Chumbo Fundido, receberam subsídios públicos da UE através de sua participação em projetos do FP7 [4]. Instituições acadêmicas de Israel profundamente comprometidas, como a Technion, notória por seu papel em desenvolvimento de armas usadas nos massacres de civis palestinos e libaneses, participam em projetos de “segurança” que podem, claramente, apoiá-las no desenvolvimento de tecnologias e conhecimentos usados para oprimir os direitos do povo Palestino [5]. Até mesmo a Ahaya, empresa de cosméticos de Israel, sujeita a uma campanha internacional altamente efetiva de boicote, desinvestimento e sanções (BDS) focada em sua localização e posse parcial no assentamento ilegal de Mitzpe Shalem, participa de projetos do FP7, assegurando fundos públicos e convênios com universidades do Reino Unido, da Itália, do País Basco e outros [6]. Esse envolvimento de companhias tão profundamente comprometidas e universidades viola claramente as próprias diretrizes da União Europeia de participação em projetos do FP7.
Universidades e institutos de pesquisas europeus, que conduzem projetos conjuntos com companhias militares de Israel e outras organizações que apoiam a supressão dos direitos palestinos, fornecem o suporte político e material que permitem e reforçam Israel a continuar sua infração das leis internacionais com impunidade. Não apenas esse projeto conjunto fornece um falso verniz de normalidade a instituições no coração do sistema colonial de Israel, mas também é provável que contribua diretamente e siga apoiando o desenvolvimento de tecnologias e técnicas usadas para suprimir violentamente os direitos humanos dos palestinos. Longe de existirem em uma bolha “apolítica”, as pesquisas conjuntas desse tipo contribuem diretamente com as injustiças e violações das leis internacionais e direitos básicos dos palestinos. Isso faz com que as universidades e centros de pesquisa europeus sejam cúmplices diretos na violação das leis internacionais e dos direitos humanos.
A natureza da participação de Israel em projetos do FP7 fornece novas provas da necessidade de cancelamento do Acordo de Associação UE-Israel e impõe um amplo embargo militar sobre Israel e requer que as universidades e instituições de pesquisa europeias:

1- Cessem imediatamente a colaboração em pesquisas com companhias militares e instituições de pesquisa israelenses que estão envolvidas na violação da lei internacional e dos direitos humanos.
2- Desenvolvam políticas e mecanismos para assegurar que não ocorram novas colaborações e assegurem implementação efetiva.

Apelamos aos acadêmicos e estudantes e seus grêmios e organizações de direitos humanos e às pessoas de consciência da Europa para:

1 Colaborar com o Comitê nacional Palestino pelo BDS (BNC), a maior coalizão da sociedade civil palestina, para identificar e expor colaborações de pesquisa entre universidades europeias e companhias militares e instituições de pesquisa israelenses que desenvolvem conhecimentos e tecnologia usada para suprimir os direitos palestinos ou seja, ainda, cúmplices com as violações de Israel à lei internacional, particularmente onde essa colaboração se dá dentro do esquema FP7 [7].
2 Desenvolver campanhas de massa efetivas e de longo prazo para pressionar as universidades e instituições de pesquisa europeias a interromper a cumplicidade com o apertheid israelense e implementar políticas que evitem futuras colaborações.

Assinado por

Palestinian BDS National Committee (BNC)*
Palestinian Campaign for the Academic and Cultural Boycott of Israel (PACBI)
Palestinian Federation of Unions of University Professors and Employees (PFUUPE)
Palestinian Grassroots Anti-Apartheid Wall Campaign - Stop the Wall (STW)
Palestinian Students´ Campaign for the Academic Boycott of Israel (PSCABI)

*O BNC é uma ampla coalizão das maiores organizações da sociedade civil, sindicatos, redes e partidos políticos.

Para conhecer mais sobre essa campanha e para assistência e investigação sobre colaboração com organizações cúmplices de Israel que se realizem em sua universidade, por favor contacte: info@bdsmovement.net

[1]http://www.bdsmovement.net/2011/military-embargo-working-paper-7517
[2] http://www.bdsmovement.net/2009/academic-boycott-aic-5181
[3]De acordo com pesquisa publicada em Novembro de 2010, nenhum país de fora da UE recebeu mais fundos, per capita, que Israel. Israel está com representação excessiva no tema de segurança do programa de pesquisa.
http://www.statewatch.org/news/2010/nov/russell-tribunal-on-palestine-ben-hayes.pdf
[4] www.bdsmovement.net/2011/stw-european-funding-7939
[5] www.bdsmovement.net/2011/stw-european-funding-7939
http://www.bdsmovement.net/2011/mcgill-concordia-technion-7102
[6] Para detalhes sobre a Ahava e a campanha contra ela, ver: http://www.stolenbeauty.org Para informação sobre projetos FP7 nos quais a Ahava está envolvida, ver: http://cordis.europa.eu/fetch?CALLER=FP7_PROJ_EN&QZ_WEBSRCH=ahava&QM_PJA= &USR_SORT=EN_QVD+CHAR+DESC
[7] A União Europeia mantém uma base de dados para todos os projetos FP7 em: http://cordis.europa.eu/fp7/projects_en.html

Tradução: Partido Comunista Brasileiro/Frente em Defesa do Povo Palestino